30 de outubro de 2017

Alguém chamou..
Olhei para trás.
Era ela.
Como sempre:
De presença pouco óbvia e algo discreta
mas muito intensa na pacata timidez.
Era estranho ver a sua relação com o tempo:
Odiavam-se mutuamente
por razões bastante inversas
mas estavam sempre juntos
embora cada qual com o seu silêncio.
Ela era sofisticada.
Num gesto simples e ligeiro prendia as atenções de quem por
ingénuo descuido nela tivesse posado os seus olhos.
Folheava as sombras dos dias passados como quem
folheia jornal numa manhã sem nada por fazer.
Despreocupadamente.
Eu gostava dela.
Falava sem mover os lábios.
Sempre com aquele sorriso no fundo do seu olhar desviado de qualquer ponto concreto.
Morria meros momentos antes de fechar os olhos.
Dizia que a realidade parecia-lhe sempre melhor quando se despede dela
como se fosse para sempre. 
Saía sempre pela janela.
No fim da viagem despedaçava-se inevitavelmente em mil estilhaços mas recusava-se a usar portas.
Dizia que os elevadores tinham pouco ar.
Preferia a liberdade de uma queda vertiginosa à sufocante segurança dos automatismos desprovidos de emoções.
Adorava as vistas que se abriam de lá de cima.
Dizia que tinham sido pássaros que lhe haviam ensinado aquele caminho.
E eu gostava dela assim: irracional e nua perante qualquer tento de vestir a sua timidez com espessas verdades.
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(Denis Getman)

19 de outubro de 2017

Das poucas vezes que me vi,
eu era um cavalo negro.
O preto era a minha cor,
o branco foi o meu segredo.
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(Denis Getman)



13 de outubro de 2017

Talvez seja utópico pensarmos que existe alguma solução para os nossos tumultos. Talvez seja demasiado ingénuo esperar que o nosso tempestuoso mar algum dia acalme para nos dar o tão esperado descanso. E merecido, como tudo que fazemos, como se todo o esforço das nossas vidas fosse especialmente canalizado para a desejada recompensa. A paz. 
Talvez seja inofensivo pensar que o culminar da história seria como uma "fairy tale"- um conto de fadas para adormecer o universo feito de pedaços de realidades desejadas em rotas de colisão com os maiores medos de algum dia os virmos a emergir da superfície da nossa consciência. Um universo em franca expansão. Um respirar da força criativa. A sua lei é suprema a qualquer tento de abrandar o ritmo e de parar para recuperar o fôlego. É a própria vida a dançar sobre as réstias das esperanças que nos amamentou enquanto seres imaturos.
Sejamos francos, não temos descanso nem a tal paz utópica e absurda em total contrasenso com qualquer lógica, por mais avançada que seja. Parar é morrer, morrer é deixar de interagir..
Por isso, vamos viver enquanto estamos vivos. Vamos celebrar a vida enquanto há luz nos olhos. Vamos sentir, vamos sofrer, vamos amar, odiar, romper com as barreiras, vamos dançar nas núvens ao som da rebelde vontade de vencer mais um desafio. Mas vamos preservar a Paz das nossas almas e de todo o universo que nos rodeia.

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(Denis Getman)